33o CONGRESSO BRASILEIRO DA ANCLIVEPA - 2012
ABORDAGEM CLÍNICA E TERAPÊUTICA DO TROMBOEMBOLISMO
ARTERIAL SISTÊMICO EM UM GATO COM CARDIOMIOPATIA HIPERTRÓFICA
Vanesa Kutz de Arruda¹,
Maria Lúcia Gomes Lourenço¹, Fernanda Chicharo Chacar¹,
Amanda Resende Duarte¹,
¹Karen Maciel Zardo², Maria Jaqueline Mamprim²
¹-Serviço
de Clínica Médica de Pequenos Animais, FMVZ - Unesp-Botucatu
²-Serviço
de Diagnóstico por Imagem, FMVZ - Unesp-Botucatu
Resumo:
O tromboembolismo
arterial sistêmico (TEA) é uma complicação grave da cardiomiopatia
hipertrófica felina (CMHF), decorrente da estase sanguínea que se estabelece no
interior da câmara atrial esquerda dilatada secundariamente à hipertrofia
primária do ventrículo esquerdo. A terapia antitrombótica e analgésica deve ser
iniciada imediatamente, para impedir a formação de novos trombos e para o
controle da dor. O objetivo do presente relato foi descrever a abordagem
clínica e terapêutica de um paciente com tromboembolismo decorrente da CMHF.
Palavras
chave: Trombo, cardiopatia, hipertrofia, felino, clopidogrel
Introdução:
A
etiologia da cardiomiopatia hipertrófica felina (CMHF) ainda é desconhecida (TILLEY
& GOODWIN, 2004; WARE, 2010). O animal acometido apresenta hipertrofia
principalmente da parede livre do ventrículo esquerdo e/ou do septo interventricular.
A hipertrofia é concêntrica reduzindo a luz ventricular esquerda levando à
hipóxia de miocárdio, arritmias (TILLEY & GOODWIN, 2004; CESTA et al.,2005;
WARE, 2010, NÓBREGA, 2011) e formação de trombos que podem se desprender e se
alojar em qualquer artéria (TILLEY & GOODWIN, 2004; WARE, 2010). Os sinais
clínicos são variáveis dependendo das alterações cardíacas decorrentes da
hipertrofia, e os sinais de tromboembolismo dependem da localização do trombo
(WARE, 2010; NÓBREGA, 2011). Segundo um estudo a taxa de sobrevivência de gatos
após um episódio de TEA é de 37% (SMITH et al., 2003; HAMEL-JOLETTE,
2009), sendo que os animais que sobrevivem ao primeiro episódio apresentam
cerca de 25 a 45 % de recorrência do quadro (LASTE e HARPSTER, 1995;
HAMEL-JOLETTE, 2009). O tratamento a ser instituído depende do estágio de
evolução da doença. No caso de tromboembolismo, além do tratamento da
cardiopatia, faz-se necessário a utilização de analgésicos potentes e fármacos
antitrombóticos para impedir a formação de novos trombos (WARE, 2010).
Relato de
caso:
Foi
atendido um gato, fêmea, sem raça definida, com seis anos de idade, com histórico
de apatia, anorexia, distrição respiratória e paraparesia de membros pélvicos
com evolução de aproximadamente duas a três semanas. Ao exame físico detectaram-se
distrição expiratória acentuada exibindo padrão respiratório restritivo, bulhas
cardíacas hiperfonéticas e aumento de sons bronquiais à auscultação, freqüência
cardíaca de 220 bpm, presença de sopro cardíaco em foco mitral (III/VI), ausência
de pulso femoral direito, leve algesia em membros pélvicos, coxins plantares
cianóticos, temperatura retal de 35°C, pressão arterial sistólica de 145 mmHg e
tempo de preenchimento capilar de três segundos. Diante das alterações clínicas
encontradas instituiu-se terapia ambulatorial com oxigenoterapia, fluidoterapia
(glicose 2,5%), furosemida com solução de glicose 5% (4 mg/kg por via intravenosa),
morfina (0,2 mg/kg por via intramuscular) e maleato de enalapril (0,25 mg/kg
por via oral). Após a estabilização do quadro respiratório, os exames complementares
de triagem foram realizados sendo que apenas o hemograma demonstrou alteração,
com trombocitopenia (45.450 plaquetas/mL),
discreta hipoproteinemia (5,2 mg/dL) e linfopenia (0,6 X 10³/mL). Ao eletrocardiograma observou-se taquicardia sinusal (240
bpm), sem demais alterações. No exame radiográfico de tórax se observou aumento
generalizado da silhueta cardíaca, deslocamento dorsal de traquéia e
opacificação difusa de lobos pulmonares com padrão alveolar (edema). Ao exame
ultrassonográfico de abdômen (Color Doppler) detectou-se fluxo turbulento em
diversos segmentos da artéria aorta, notando-se a presença de um trombo medindo
0,61 cm por 0,24 cm causando obstrução parcial do fluxo sanguíneo no segmento
entre a artéria renal direita e a bifurcação para as artérias ilíacas. O índice
de resistividade e a velocidade do fluxo sanguíneo anterior e posterior ao
trombo foram de 0,79 e 64 cm/segundo e 0,70 e 61 cm/segundo respectivamente. O
ecocardiograma demonstrou hipertrofia concêntrica moderada, relação átrio
esquerdo/aorta aumentada (AE/Ao=2,1), obstrução dinâmica discreta da via de
saída do ventrículo esquerdo, função contrátil aumentada (fração de ejeção=99%;
fração de encurtamento=81%) e insuficiência moderada de válvula mitral. O
tratamento prescrito consistiu de diltiazem (1,75 mg/kg a cada 12 h), ácido acetilsalicílico
(10 mg/kg a cada 72 horas), maleato de enalapril (0,25 mg/kg a cada 12 horas),
furosemida (1 mg/kg a cada oito horas). Um dia após o atendimento, o animal
retornou ao hospital sem distrição respiratória e com paresia persistente de membro
pélvico direito. Seis dias após o primeiro atendimento o exame ultrassonográfico
controle do abdômen ainda revelou a presença de trombos e obstrução
parcial do fluxo sanguíneo em aorta caudal. Adicionou-se à terapia anteriormente
prescrita o clopidogrel (18,75 mg, a cada 24 horas) e suspendeu-se à furosemida.
O animal respondeu bem à terapia instituída voltando a se locomover normalmente
e não apresentando mais distrição respiratória. Atualmente o animal encontra-se
sob tratamento e em bom estado geral, sem recidivas do quadro tromboembólico há
três meses.
Em nosso
relato, o paciente acometido tratava-se de uma gata fêmea, sem raça definida
com quadro clínico de TEA secundário à CMHF. Contrariamente ao descrito por
grande parte dos autores, a incidência desta complicação é maior em gatos machos,
sendo as raças Persa, Maine coon e Ragdoll mais acometidas (FOX, 2004; WARE,
2010). Em relação à idade de acometimento, nosso paciente também se encontrava
dentro da faixa etária descrita de cinco a sete anos para o aparecimento da
afecção. O animal deste relato apresentava os sinais clínicos descritos pela literatura
como distrição respiratória, paresia de membros pélvicos, pulso femoral fraco,
coxins e leitos ungueais arroxeados (WARE, 2010). O diagnóstico foi feito com
base no histórico, achados do exame físico e confirmado pelos exames complementares,
particularmente o ecocardiograma com color Doppler para
detecção
do trombo e obstrução parcial do fluxo sanguíneo. As alterações encontradas
no hemograma neste caso (discreta hipoproteinemia, trombocitopenia e linfopenia)
não são enfaticamente descritas pelos autores, apenas Ware (2010) cita que nos
casos de tromboembolismo pode haver coagulação intravascular disseminada com
diminuição de plaquetas. No tratamento prescrito, a associação com o
clopidogrel foi eficaz no controle dos sinais de tromboembolismo arterial. Seu uso
em gatos com TEA é discretamente descrito pela literatura consultada por exercer
efeitos antiplaquetários significativos (HAMEL-JOLETTE et al., 2009), podendo
ser utilizado diariamente, contudo a dose ainda permanece incerta bem como a
descrição de testes para avaliação de função plaquetária mediante seu usa em gatos.
O animal deste relato encontra-se até o presente momento clinicamente estável,
sem recidivas do quadro tromboembólico contrariando a literatura (HAMELJOLETTE et
al., 2009)
Conclusão:
O
diagnóstico do TEA secundário a cardiomiopatia hipertrófica em gatos é
realizado pelo histórico e exame físico do paciente, contudo, o exame
ultrassonográfico com color Doppler é essencial para a localização e
determinação da gravidade do quadro clínico. Mais estudos são necessários no
que se refere ao perfil hematológico e plaquetário, bem como ao uso do
clopidogrel. Embora este fármaco seja indicado no tratamento do TEA, existem
poucos relatos sobre sua utilização e eficácia na prevenção de recidivas da
doença.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
CESTA, M.
F.; BATY, C. J.; KEENE, B. W. SMOAK, I. W.; MALARKEY, D. E.
Pathology of End-stage Remodeling in a Family of Cats
with Hypertrophic
Cardiomyopathy. Veterinary Pathology. v. 42.
2005. p. 458-467.
FOX, P.
R. Miocardiopatias felinas. In: ETTINGER, S. J.; FELDMAN, E. C. Tratado de
medicina interna veterinária. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara koogan. 2004. Cap. 117. p. 949-956.
HAMEL-JOLETTE A.; DUNN M.; BÉDARD C. Plateletworks: a
screening assay
for clopidogrel therapy monitoring in healthy
cats. Can J Vet Res. v. 73, n. 1. 2009. p. 73-76.
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